Vale a pena antecipar financiamento imobiliário?

Se você está pagando algum financiamento imobiliário e tem o valor para liquidar ou abater em parte o saldo devedor, provavelmente já teve essa dúvida, se vale a pena ou não. Essa é uma dúvida muito comum, principalmente para quem tem o valor investido em algum tipo de aplicação e pensa em usar para liquidar dívida. Mas será que é interessante se livrar do financiamento?

 

Para verificar a viabilidade da antecipação, é necessário primeiramente entendermos como é calculado o custo de financiamento habitacional. Geralmente os financiamentos habitacionais são compostos pela taxa de juros contratada, a variação da TR (taxa referencial), que corresponde à correção monetária, a tarifa de manutenção do contrato e o seguro.

 

A taxa de juros do financiamento pode ter muitas variações, dependendo do perfil do contratante, do valor de imóvel, se é primeiro imóvel, se faz parte de programa habitacional, entre outros fatores. No exemplo mais adiante será considerado uma taxa anual de 7,00% ao ano.

 

A TR (Taxa referencial) é utilizada para correção do valor do saldo devedor. Devido a uma alteração na fórmula de cálculo, desde 2018 essa taxa está zerada.

 

A taxa de contrato, ou também conhecida como taxa de administração, dependerá de cada instituição financeira. Enquanto manter o contrato ativo de financiamento, será cobrado um valor fixo mensal. Para a Caixa Econômica Federal, geralmente a taxa é de R$ 25,00 mensais.

 

O seguro do financiamento faz parte do contrato, pois é uma garantia que a instituição tem de receber o valor financiado, na falta do pagador ou de um dos pagadores, ou ainda caso ter algum dano com o imóvel. O valor do seguro aumenta à medida que muda a idade do devedor, e tem relação com o seu perfil também, pois se o risco for maior para a Instituição, maior será o valor do seguro. Para efeito de exemplo, vamos considerar que o seguro corresponda à 0,053% ao mês sobre o valor financiado, que num ano ficaria em torno de 0,63% sobre o saldo devedor.

 

Exemplo

 

O exemplo a seguir foi elaborado de forma simplificada, mas o suficiente para servir de apoio à tomada de decisão.

 

Vamos considerar um financiamento habitacional com saldo devedor de R$ 150.000,00 e supor que a pessoa pudesse antecipar esse valor. Considerando que a taxa de juros anual é de 7,00% a.a., e que o seguro anual corresponda a 0,63% do saldo devedor, e que ainda a taxa de contrato seja de R$ 25,00 por mês.

 

A taxa de contrato mensal (R$ 25,00), multiplicada por 12 meses resulta em R$ 300,00. Isso corresponde a 0,20% sobre o saldo devedor (300,00 / 150.000,00 x 100). Em resumo, esses são os custos anuais do financiamento:

 

(+) Taxa de Juros de 7,00% a.a.

(+) Taxa Referencial (TR) de 0,00% a.a.

(+) Taxa de contrato de 0,2% a.a.

(+) Seguro de 0,63% a.a.

(=) Custo total de 7,83% a.a.

 

Em relação a valores, para manter esse contrato de financiamento com um saldo devedor de R$ 150.000,00, teria um custo anual de R$ 11.745,00 (150.000 x 7,83%). Obviamente que a medida que o contrato for amortizado, o saldo devedor reduzirá e por consequência os valores das despesas também, mas a taxa é considerada a mesma (7,83% a.a.).

 

Oportunidade de investimento

 

Sabendo do custo real do financiamento, se a pessoa tem o valor para liquidar o contrato, é necessário identificar onde pode ser aplicado o mesmo valor (R$ 150.000,00). Sabendo que o custo anual de financiar o imóvel é de 7,83% ao ano, ou cerca de 0,63% ao mês (juros capitalizados mensalmente), ficará vantajoso se a pessoa investir o valor numa aplicação que dê um retorno líquido maior do que 7,83% ao ano, ou ainda que ela possa investir em algum empreendimento, que tenha uma rentabilidade igual ou superior a essa taxa. (Sobre rentabilidade em empreendimentos, veja esse artigo).

 

Mas será que tem algum investimento que fornece ao mínimo 7,83% ao ano de rentabilidade?

 

O mercado possui aplicações que tem essa rentabilidade, desde que a pessoa queira correr riscos. Com a baixa dos juros, cada vez menos poderemos depender de renda fixa para alcançar maior rentabilidade. Não podemos somente olhar os rendimentos passados, visto que não se pode afirmar que os retornos futuros serão os mesmos. Os retornos passados de investimentos servem como um suporte para a tomada de decisões, mas não garantem rentabilidade futura, principalmente se tratarmos de renda variável (ações por exemplo).

 

Mas se você não deseja correr grandes riscos e acredita na rentabilidade da renda fixa, é praticamente impossível ter um rendimento ao patamar de 7,83% ao ano. Como referência, tem-se a poupança, com rentabilidade aproximada de 1,925% ao ano. Além disso, pode-se considerar um CDB que pague 120% do CDI, que resulte aproximadamente num rendimento anual de 2,81% ao ano (já descontado IR de 15%).

 

Note que esses rendimentos de renda fixa não chegam nem perto do custo do financiamento ao ano (7,83% ao ano). Isso só vai mudar a medida que a taxa básica de juros do Brasil aumentar, o que de certa forma já começou (atualmente 2,75% ao ano, antes estava em 2% ao ano), e a previsão é que aumente de forma gradativa ao longo de 2021 e 2022. 

 

Tratando-se de renda variável como forma de comparação, o Ibovespa teve rentabilidade nos últimos 12 meses (04/2020 a 03/2021) de aproximadamente 59,73% (não entrou na conta o "tombo" que teve no início da pandemia). Se considerarmos um período maior, de 24 meses, o rendimento acumulado é de 22,24%, que fazendo uma conta simples proporcional, daria cerca de 12% ao ano.

 

Mas é importante ressaltar: renda variável possui risco maior, ou seja, assim como pode-se ganhar mais que a renda fixa, também pode-se perder. Contudo investimentos bem estudados e com orientação especializada faz com que ao longo prazo tenhamos rendimentos superiores à inflação e talvez até superando o índice Ibovespa.

 

Análise comparativa

 

Diante do cálculo do custo do financiamento anual, bem como a oportunidade de investimento que a pessoa tem o dinheiro aplicado, ou pretende aplicar, é possível realizar uma análise comparativa.

 

Considerando que uma pessoa aplique R$ 150.000,00 no mercado de renda variável, podendo ser fundo de ações, ou aplicado diretamente em ações, ou no índice Ibovespa, caso se consiga um rendimento de 12% ao ano (o que dependerá de estudo e seleção do investimento), o rendimento líquido seria de R$ 18.000,00, enquanto que se a pessoa for amortizar o contrato de financiamento, teria deixado de pagar R$ 11.745,00 de juros e despesas.

 

Ganho estimado se deixar dinheiro aplicado em renda variável por 1 ano = R$ 18.000,00

Se quitar o financiamento, economia com juros e despesas = R$ 11.745,00

Valor da diferença, a favor de deixar o dinheiro guardado = R$ 6.255,00

 

Caso a pessoa tenha os R$ 150.000,00 guardados numa poupança, e considerando os dados acima, o rendimento no ano seria cerca de R$ 2.887,50, enquanto que se a pessoa tivesse amortizado o contrato de financiamento, teria deixado de pagar R$ 11.745,00 de juros e despesas.

 

Ganho se deixar dinheiro na poupança por 1 ano = R$ 2.887,50

Se quitar o financiamento, economia com juros e despesas = R$ 11.745,00

Valor da diferença, a favor de quitar o financiamento = R$ 8.857,50

 

Se analisarmos o custo do financiamento anual (nesse exemplo), com uma aplicação tradicional de renda fixa, provavelmente será mais vantajoso antecipar o contrato de financiamento, mas tudo dependerá da taxa de juros e despesas do contrato.

 

Então se a diferença for a favor de quitar o financiamento, devo fazer imediatamente?

 

Não é somente essa análise comparativa de taxas que deve ser realizada. É necessário que a pessoa tenha uma reserva emergencial para suprir despesas para pelo menos 6 meses. Ou seja, se a pessoa tem somente o valor de R$ 150.000,00 guardado para liquidar o contrato e não conta com outras reservas, é muito arriscado utilizar todo o valor. Talvez possa ficar desempregado, sem renda, ou se for empreendedor, sua empresa pode passar por instabilidades..., enfim, podem ocorrer imprevistos e de nada adiantará ter um contrato de financiamento quitado, mas sem dinheiro para gastos de consumo.

 

E em relação ao FGTS depositado, pode ser utilizado para antecipação?

 

Caso a pessoa tenha FGTS depositado, pode ser utilizado para amortizar o financiamento habitacional, sendo respeitado algumas regras. Como o rendimento do FGTS é de 3% ao ano, mais variação da TR (Taxa referencial), que praticamente é nulo, sem sombra de dúvidas é vantagem utilizar para antecipar ou liquidar o contrato de financiamento. O baixo rendimento do FGTS favorece essa situação, pois praticamente não existe contrato de financiamento habitacional com um custo efetivo menor do que 3% ao ano.

 

A única ressalva é em relação à reserva de emergência, conforme comentei antes. Caso a pessoa vier a ser demitida e vai sacar o FGTS que estava depositado, é importante constituir uma reserva emergencial.

 

Qual a melhor modalidade de antecipação?

 

Caso a pessoa for solicitar a antecipação de contrato, há algumas modalidades disponíveis. As principais são a de redução da dívida (saldo devedor do financiamento), onde o valor das parcelas continua igual, mas reduz o prazo do financiamento. Uma outra opção é reduzir o valor da parcela e manter o prazo.

 

Amortizando o saldo devedor, deixará de ser pago os juros e despesas sobre as parcelas futuras. Essa opção é interessante para quem não sente o valor da parcela mensalmente e deseja quitar o imóvel de forma mais rápida, sendo a modalidade indicada sob o aspecto econômico.

 

A outra alternativa é para quem está com dificuldades de pagar a parcela mensal, a fim de dar um alívio no orçamento. Contudo a diferença de parcela é redistribuída sobre o prazo restante do financiamento, tendo um impacto futuro. É uma solução interessante para um período determinado.

 

No final do financiamento, vou pagar quase dois imóveis ou mais. E agora?

 

O financiamento é utilizado para quem não possui recursos próprios para adquirir o imóvel, ou possui valor menor que o necessário. Deixa-se de utilizar dinheiro próprio (por opção ou por não ter), para ser utilizado dinheiro de banco, tendo um longo prazo para pagar, podendo chegar a 420 meses.

 

É interessante colocar que em relação à taxa de juros, ela costuma ser a mesma para quem financia em 10, 20 ou 30 anos. O que muda é que ao longo do tempo, o valor pago dos juros aumenta, pois, o prazo é maior. Não pode-se somente olhar o valor final do financiamento, até porque as parcelas vão baixando, e a pessoa tem que estar consciente que adquiriu um bem sem ter o dinheiro total, e que o uso do dinheiro do credor ao longo do tempo tem um custo. Se a pessoa fosse alugar um imóvel em vez de comprar, teria o custo do aluguel. Nesse caso, ela pode não ter o aluguel do imóvel, mas tem um “aluguel” do dinheiro que usou para comprar o imóvel.

 

No início de um financiamento, os juros são maiores, pois pelo sistema SAC (Sistema de Amortização Constante), que é o mais utilizado nos financiamentos, o valor da amortização é a mesma para todos os meses. Como ao longo do tempo o saldo devedor reduz, os juros reduzirão também.

 

Por fim, recomenda-se que o percentual financiado de um imóvel fique em no máximo 50% do valor do mesmo, para que a pessoa não tenha a frustração em ficar muito tempo pagando um imóvel, que ali adiante pode ficar pequeno, ultrapassado, tendo a necessidade de realizar uma nova aquisição. Um imóvel adequado para a realidade atual pode não servir para daqui a 10 ou 20 anos, sendo necessário a troca.

 

Em resumo, o que deve ser colocado na balança em relação à liquidação de contrato de financiamento, é o rendimento que se ganharia caso fosse usar o valor numa aplicação ou realizar algum outro tipo de investimento, como por exemplo, abrir uma empresa. E ainda, realizar essa comparação após ter a certeza de possuir uma reserva emergencial, que possa cobrir os gastos mensais por alguns meses.

 

Fabio Nepomoceno - Contador e Consultor em Finanças

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