Os atuais inimigos da saúde financeira

A tecnologia trouxe muitos benefícios para as pessoas. Mas também trouxe mazelas. As redes sociais, por exemplo, estimularam o desejo pelo consumo e o medo de se sentir fora de um movimento ou de um grupo. Para o badalado professor americano de psicologia e economia comportamental da Universidade Duke, Dan Ariely, estas são as duas emoções que mais atrapalham na saúde financeira de alguém.

 

Autor de vários livros e artigos científicos sobre finanças comportamentais, ele é um dos membros-fundadores do Center for Advanced Hindsight (centro de estudo de comportamento). Ariely também teve trabalhos publicados no The New York Times, The Wall Street Journal, The Washington Post, Thee Boston Globe, Business 2.0, Scientific American e Science.

 

O pesquisador lembra que nas mídias sociais todo mundo mostra o seu melhor lado e as melhores coisas da vida: boas férias, uma nova bicicleta, um carro lindo. E é isso que faz o outro desejar ter as mesmas coisas ou se esforçar, também materialmente, para não ficar fora do que é moda ou bacana naquele momento.

 

Segundo Ariely, assim como uma dieta, poupar é uma questão de hábito, disciplina. Para ele, os novos aplicativos ou carteiras eletrônicas podem ajudar muita nesta tarefa. "É preciso criar um sistema em que é fácil de colocar o dinheiro, mas difícil de tirar. Porque se for fácil de tirar eles vão tirar".

 

O professor lembra ainda que a atitude de poupar em si independe da pessoa ser pobre ou rica. A partir do momento que se tem tal disciplina, a pessoa poupa, o que varia, obviamente, é a quantidade que se junta, de acordo com o seu poder aquisitivo.

 

Ariely lançou recentemente o livro “A Psicologia do Dinheiro” (Ed. Sextante). A obra, escrita em parceria com o comediante Jeff Kreisler, traz uma série de exemplos de como as emoções influenciam nossas escolhas financeiras.

 

A seguir é apresentado os principais trechos da entrevista que Dan Ariely deu ao jornal  Valor Investe, em sua recente passagem pelo Brasil para divulgar o livro:

 

Valor Investe: Quais as emoções que mais cegam as pessoas nas decisões financeiras?

 

Dan Ariely: Muito mais que amor ou ódio, é o desejo. É algo generalizado. Nós sentimos que queremos as coisas. O segundo eu diria que é FOMO (sigla em inglês para fear of missing out), que é medo de sentir de fora. Jovens, hoje em dia, vivem com medo de se sentir de fora. Quando você vai para as mídias sociais, poucas pessoas escrevem sobre momentos tristes.

 

A maioria é “olha eu aqui de férias, minha nova bicicleta, meus óculos escuros bonitos”. Nós temos tendência a pensar muito no que os outros estão fazendo. No final das contas, FOMO é o desejo que aquilo que as pessoas estão fazendo despertam em você.

 

Valor Investe: O senhor fala muito de relatividade. Mas como isso interfere no consumo?

 

Dan Ariely: O medo de se sentir de fora está conectado à relatividade em se comparar com os outros. Há um estudo que mostra que quando alguém ganha na loteria, os vizinhos do ganhador começam a gastar mais dinheiro.

 

Valor Investe: Quais os maiores desafios para as finanças pessoais diante das redes sociais?

Dan Ariely: O problema é que você só olha para o que a outra pessoa gasta. Você não sabe o quanto a pessoa gasta com seguro ou coloca na poupança. O que você sabe é o que carro eles dirigem, as roupas que vestem, onde passam férias. Se você parar pra pensar, gastar dinheiro é muito visível. Guardar dinheiro, nem tanto. A comparação social, o medo de se sentir de fora e o desejo são os maiores desafios emocionais da vida financeira.

 

Valor Investe: Como as empresas influenciam os desejos e dificultam as decisões financeiras?

 

Dan Ariely: Uma empresa de sapato quer que você compre mais sapato, a cafeteria quer que você tome mais e mais café e os bares querem que você beba mais. Não é um componente neutro no mundo. São agentes com intenções. E adivinha? Eles têm muito poder.

 

No mundo natural, uma flor tenta ser bela e ter cheiro para atrair abelhas que espalham suas sementes. Mas agora, as empresas conseguem muito mais que só se tornarem flores. Elas podem entrar nos nossos celulares. E não é só isso. Se por acaso você clicar em algo, mesmo que sem querer, a internet lembra. E continua te lembrando: “Olha só esse produto que você gostou”. Você não consegue desvencilhar.

 

Valor Investe: Como podemos escapar das tentações num mundo com mídias sociais, se agora até nossos amigos despertam nossa vontade de consumir?

 

Dan Ariely: É muito difícil. Precisamos entender isso. Do mesmo jeito que é difícil comer de forma mais saudável e praticar exercícios. O que temos de fazer é criar regras para nós mesmos. Se você está suscetível a todas as manipulações que as outras pessoas criam, isso não é um bom modo de viver. Você precisa se ajudar. Pense como se fosse uma religião, que geralmente nos faz adotar regras sem questioná-las.

 

Valor Investe: Mas que ferramentas podemos usar nessa luta contra o consumo irracional?

 

Dan Ariely: Eu estou muito otimista em relação a essas novas carteiras eletrônicas. Meu entendimento é que eles estão tentando ficar do lado dos consumidores. Eles querem ajudar as pessoas a entenderem as decisões que tomam.

 

Vou conhecer o Nubank, um produto brasileiro, que ainda não conheço muito bem. Mas pelo que li sobre eles, o objetivo seria dar uma ferramenta para descobrir qual seu objetivo e tentar manter você focado nele, do tipo “o resto do mundo vai tentar desviá-lo, mas vamos ajudar você a ficar focado”. Tecnologia pode ser usada para o bem e para o mal.

 

Valor Investe: Quais os tipos de pessoas que mais prosperam nos investimentos?

Dan Ariely: Teve um estudo da Fidelity (gestora de recursos dos EUA) que aponta quais pessoas tomam as melhores decisões. Sabe quais? Os mortos, porque eles não ficam mudando de ideia de um investimento para o outro. Então, a verdade é que ninguém encontrou ainda o tipo de personalidade, de perfil, que se dá melhor.

 

Valor Investe: Que perfil tem mais dificuldade de racionalizar os gastos?

 

Dan Ariely: Fizemos um estudo com diabéticos em que a questão era: “O que faz algumas pessoas controlarem a diabetes? Quem são os que controlam melhor?”. Não eram as que entendiam melhor da doença, nem as que conheciam bem os efeitos colaterais, nem mesmo as que sabiam medir a glicemia, muito menos eram os mais motivados. Não, não e não. Nenhum desses perfis. O que encontramos foi que a resposta tem a ver com os chamados "break-points" (ponto de ruptura), que piora o comportamento.

 

Valor Investe: Como eu traduzo esse conceito para os leitores?

 

Dan Ariely: "Break-points" são aqueles momentos na vida em que as coisas estão terríveis por motivos que vão desde uma briga com seu parceiro amoroso até dívidas a pagar. Quando as coisas ficam muito dolorosas e estressantes, a pessoa quer alguma alegria na vida e o jeito mais fácil e barato de ter felicidade é consumindo carboidratos. A gente busca personalidades, mas na verdade, acho que, tanto na saúde física como financeira, tudo está ligado a esses "break-points". É uma combinação de recompensa e inabilidade de pensar a longo prazo.

 

Valor Investe: E como as pessoas podem aprender a pensar a longo prazo?

Dan Ariely: Não dá. É muito difícil para todos. Não é legal, não é tangível pensar a longo prazo. Ninguém consegue. Mais uma vez, o que temos de ferramentas são regras, que previnem as pessoas de agir mal.

 

Valor Investe: No livro, você relaciona bastante dieta e poupança. Como funciona essa comparação?

 

Dan Ariely: Fazer dieta e poupar são coisas muito similares. Nunca é divertido guardar dinheiro hoje, nem comer comida saudável. As regras funcionam como uma religião. As pessoas que não comem carboidratos, elas cortam tudo porque é mais fácil do que contar calorias. É mais fácil tirar uma categoria do que ficar sempre pensando e calculando o que fazer. Toda vez que você cria um sistema que exige que alguém fique sempre pensando nele não dá certoO que dá pra fazer é criar algo que é como uma regra que dê pra executar sem pensar muito e possa se acostumar a ela.

 

Valor Investe: Mas quem deve criar a regra? Você mesmo ou outra pessoa?

Dan Ariely: Os dois. Algumas regras você precisa criar, outras vezes as plataformas digitais, que são minha esperança, podem fazer.

 

Valor Investe: Quais as principais renúncias para quem quer uma vida financeira mais saudável e feliz?

 

Dan Ariely: São muitas. Veja bem: Por que é tão importante poupar? Porque nós vivemos mais tempo. Se a gente vivesse só até os 50 a vida seria simples. Mas vivemos até 78, 80 anos de idade, o que implica dizer que precisamos poupar por mais tempo do que vivemos. Não quero que a expectativa de vida diminua. Não é isso. Mas ao mesmo tempo precisamos entender como atingir esse objetivo.

 

Viver mais tem um preço. Imagine uma pessoa que trabalha dos 30 aos 65 anos. Imagine que essa pessoa vive dos 65 aos 85 anos. Ela vai viver 20 anos a mais. Isso significa que para cada ano que a pessoa trabalhou precisa economizar metade do que ganha. É muito. Você consegue guardar metade do seu salário todo ano?

 

Valor Investe: Pessoas que ganham muito pouco realmente conseguem poupar ou isso é uma ilusão?

 

Dan Ariely: Fizemos um estudo num lugar onde as pessoas vivem com US$ 10 por semana. Muito pobre, similar às favelas aqui. Pessoas sem salário fixo. Um dia tem renda, outro, não. Descobrimos que eles conseguem, sim, poupar. Mas não é para se aposentar. É para emergências.

 

O que acontece com pessoas pobres é que elas vivem apertadas, sem extra e, de tempos em tempos, coisas ruins acontecem. Aí eles precisam gastar dinheiro, que não têm. Então pegam emprestado. Não como nós, no banco, porque não têm crédito, mas no mercado informal, com juros altíssimos. Mesmo que as coisas se resolvam pra eles, ficam com uma dívida enorme. É o ciclo da pobreza.

 

Valor Investe: Como daria para quebrar esse ciclo?

 

Dan Ariely: Descobrimos que eles conseguem economizar, mas é preciso criar um sistema em que é fácil de colocar o dinheiro, mas difícil de tirar. Porque se for fácil de tirar eles vão tirar. Uma das melhores maneiras para que eles ficassem motivados em poupar era avisar para a família quais os planos com o dinheiro. Se você é o provedor, guardar dinheiro significa tirar comida da boca dos seus filhos. Mas criamos um sistema em que eles podiam mostrar para onde o dinheiro estava indo.

 

Podiam mostrar que tinham menos conforto, mas que estavam economizando por um motivo, para a família, para emergências. Isso tornava tudo mais fácil. Montamos um sistema no Quênia para despesas com saúde. É o mesmo sistema, fácil de depositar o dinheiro e difícil de tirar. Só as clínicas podiam sacar o dinheiro. Foi bem sucedido.

 

Os muito pobres conseguem guardar pequenas quantias de dinheiro. Mas precisamos criar um sistema pra eles, não dá pra esperar que encontrem o caminho sozinhos. O dia em que eles ganham dinheiro, é o dia de guardar um pouquinho. Quem não tem uma renda estável, como nós, precisa de outro mecanismo.

 

Valor Investe: Como encontrar o equilíbrio entre economizar e gastar bem para viver melhor?

 

Dan Ariely: Sem dúvida ninguém quer ter uma vida terrível, limitada, e morrer cheio de dinheiro. É difícil equilibrar. Mas precisamos melhorar em extrair mais prazer com menos dinheiro. O primeiro princípio é que dar coisas para outras pessoas nos dá prazer por mais tempo do que prevíamos. As coisas que damos para quem nos importamos e amamos lubrificam as relações sociais e pagam dividendos a longo prazo. Precisamos melhorar em extrair mais prazer com menos dinheiro.

 

Muitas vezes, quando você recebe dinheiro, você quer algo pra você. Mas, na verdade, fazer algo por um parceiro, pai, mãe, um amigo próximo, acaba comprando mais felicidade do que as pessoas imaginam.

 

Valor Investe: De que formas podemos comprar mais felicidade com menos dinheiro?

 

Dan Ariely: O ponto mais importante é que a gente não sabe exatamente como extrair mais felicidade com menos dinheiro. Mas imagina que eu e você sentamos juntos para olhar sua conta de cartão de crédito. Você realmente maximizou seu bem-estar com aquela quantidade de dinheiro que você gastou?

 

Quando você sai, a primeira cerveja traz muita satisfação. A segunda menos, a terceira menos ainda e por aí vai. E tem um ritmo de diminuição. Quanto é o valor correto para gastarmos? Você decide sair de férias. O que te deixará feliz? Você fazer uma viagem mais cara de uma semana ou uma mais barata de duas semanas. Qual das duas compra mais felicidade? A verdade é que não somos bons em saber o que nos deixa mais feliz.

 

Valor Investe: Qual o seu conselho? Gastar mais com experiências e menos com bens?

 

Dan Ariely: Em geral, nos acostumamos com coisas e por isso achamos que coisas, bens, vão nos trazer mais prazer do que realmente traz. Mas a experiência, por mais que ela seja finita, a experiência certa nos dá felicidade a longo prazo. Quando aprendemos algo, quando estivemos num lugar, isso tudo nos traz uma boa experiência.

 

Se você for a praia e passar sete dias bebendo, isso (a satisfação) não vai durar muito. Mas se vai a um lugar e aprende, por exemplo, a mergulhar, é algo novo que pode marcar você por bastante tempo. Por isso, experiências são um modo muito melhor de maximizar felicidade se comparado a bens.

 

Fonte: Reportagem de Isabel Filgueiras, Valor Investe — São Paulo

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