O que aconteceu nas lojas Americanas?
Em fato relevante publicado na quarta-feira (11/01), a Americanas comunicou que foram detectadas inconsistências em lançamentos contábeis em seu balanço. O valor do rombo é estimado em R$ 20 bilhões.
O comunicado da empresa não deixa claro o que aconteceu. Mas analistas e especialistas do mercado acreditam que o rombo pode ter sido causado devido a operações que não são inseridas no balanço das companhias, conhecidas no mercado como “risco-sacado” ou “forfait”.
Quando uma empresa tem uma dívida a ser paga, geralmente com algum fornecedor, é possível realizar esse tipo de operação. A empresa devedora —- nesse caso, a Americanas — faz um acordo com o banco que a financiou para que a instituição libere o dinheiro primeiro para pagar o credor.
A dívida é quitada com o fornecedor, mas a empresa precisa pagar aquilo que pegou emprestado, com juros que variam conforme o prazo de término do investimento. Assim, o “risco-sacado” está na instituição financeira, que enfrenta a chance de não receber o valor prometido.
Segundo Roberto Kanter, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a transação não é incomum entre redes varejistas.
Exemplo
Digamos que uma loja precise fazer uma compra com um fornecedor. Nas condições de pagamento, geralmente há um prazo dilatado para o pagamento, que muitas vezes chega até 180 dias. Como a compra geralmente é de um grande volume, o fornecedor aceita vender o produto e receber neste prazo.
Contudo, uma semana após a venda ser feita, o intermediário financeiro entra em contato com o fornecedor, se oferecendo para adiantar o montante. Os fornecedores geralmente acabam aceitando a proposta, dado que possuem prazos mais apertados. Isso faz com que a dívida seja da loja com o banco, e não mais da loja com o fornecedor.
Problema nas Americanas
Apesar de ser uma prática comum, a transação pode explicar o rombo de R$ 20 bilhões no balanço das americanas porque essa quantia em forfait pode ter sido subestimada por anos, ou não foi registrada no balanço de forma correta. Em outras palavras, a Americanas pode estar devendo a essas instituições financeiras R$ 20 bilhões vindos desse tipo de transação financeira.
Em fevereiro de 2016, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) lançou um ofício circular que define orientações às empresas para evitar riscos de distorções desse tipo de operação. O documento cita normas relativas a operações financeiras das companhias.
Nesse ofício, o órgão alertava sobre eventuais riscos e desvios que poderiam ser cometidos com o risco-sacado. Diz a CVM: “o fornecedor emite uma fatura que contempla o prazo a ser financiado pelo banco, porém não reconhece em sua contabilidade a venda pelo valor presente. E com isso, apresenta um Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) maior. A companhia compradora, por sua vez, não reconhece um passivo oneroso junto ao banco, mas o passivo de funcionamento “fornecedores”: seu estoque fica inflado e a margem bruta com vendas distorcida”.
A CVM ainda afirma que, a depender da transação efetuada, que pode incluir prazos mais longos que os usuais para aquisição de estoques, a companhia compradora pode ser incentivada a assim proceder porque conseguiria escapar de compromissos de contratos de financiamento ou empréstimos que servem para proteger os interesses dos credores, chamados de “conevants contratuais”.
O ofício também reitera que transações deste tipo devem ser divulgadas em notas explicativas, incluindo condições das negociações com os bancos, custo financeiro, utilização de limites e linhas de crédito.
Foi erro ou fraude?
A estratégia de tornar pública a inconsistência bilionária dificilmente deixará o caso no escuro. Uma das dúvidas mais imperativas no momento é entender a natureza do rombo: foi causado por erro contábil ou por fraude? E a diretoria anterior tinha conhecimento disso?
Para Felipe Cima, operador de Renda Variável da Manchester Investimentos, a falta de respostas da Americanas coloca os investidores numa posição de “não saber nem o que perguntar”.
“É um momento de extrema incerteza, que faz com que os acionistas se perguntem o porquê de estarem nesse barco cheio de furos. Se até o diretor-presidente saiu, o que isso diz para eles?”
Cima supõe que já era um problema sabido pela diretoria anterior, “que pode não ter tido ânimo para falar sobre o assunto”.
“É difícil imaginar que uma coisa desse tamanho não tenha passado por ninguém antes de chegar ao Sergio Rial. E a empresa explicou muito mal. Deveria ter deixado o comunicado para quem ia assumir, não para quem deixou a empresa. Isso tudo pode descambar para uma investigação judicial. Uma coisa é dizer que houve erro; outra, que houve fraude. Uma série de pessoas ligadas à empresa, de acionistas majoritários a membros da diretoria, podem se sentir lesadas.”
Fonte: Adaptado de CNN Brasil
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