Como planejar a aposentadoria?

O planejamento da aposentadoria não costuma ser tema de conversa entre os jovens. Para muitos deles, este é um assunto que pode ser deixado para depois, principalmente por não sabermos o que acontecerá no amanhã, isto é, se estaremos vivos para desfrutar da velhice ou não. E, aqui entre nós, faz sentido avaliar dessa forma, né? A grande questão, porém, é que, pensando de uma maneira mais otimista, as chances de alcançarmos a terceira idade são grandes, uma vez que a expectativa de vida dos brasileiros aumenta a cada ano.

 

Não à toa, segundo dados divulgados pelo IBGE, em 1940, a esperança de vida era de 42,9 anos para os homens e de 48,3 para as mulheres - uma média de 45,5 anos. Em 2020, no entanto, essas idades chegaram a 73,1 e 80,1, respectivamente, totalizando uma média de 76,6 anos. Isso significa que, de 1940 até 2019, o tempo médio de vida aumentou 31,1 anos.

 

Ou seja, os números mostram que, por mais que não tenhamos uma bola de cristal para prever o que pode acontecer no futuro, é importante estar minimamente preparado para a longevidade. Mas o desafio é grande.

 

Apenas 4 em cada 10 brasileiros se preparam para a aposentadoria, de acordo com a última pesquisa feita pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), em parceria com o Banco Central (BC). O estudo aponta que, enquanto 41% das pessoas se preocupam com essa fase da vida, 59% não planejam o momento de se aposentar.

 

Somado a estes dados, que dizem respeito aos adultos, há ainda um fator agravante: a falta de conhecimento sobre investimentos e finanças entre os jovens. A 3ª edição do “Raio X do Investidor Brasileiro”, pesquisa realizada pela Anbima em parceria com o Datafolha, mostra que 61% dos jovens de 16 a 24 anos desconhecem os produtos disponíveis no mercado - o maior percentual entre todas as faixas etárias.

 

Um ponto relevante, entretanto, é que essas pessoas mais novas ainda têm tempo para buscar mais informações sobre as ofertas de investimentos e começar a planejar a aposentadoria. Conforme destaca a sócia-fundadora da Alocc Gestão Patrimonial, Sigrid Guimarães, a grande vantagem de começar o planejamento desde cedo é a possibilidade de poupar menos, pois o tempo e os juros sobre juros dão um “empurrãozinho” para transformar os recursos em um patrimônio maior lá na frente.

 

Quando é “desde cedo”?

 

Sigrid comenta que a melhor idade para começar, na verdade, é a partir do momento em que a pessoa passa a ter uma renda. O planejador financeiro pela Planejar, Marco Gianordoli, complementa ao dizer que, quando o jovem ainda mora com os pais e trabalha, ele tem um fluxo financeiro mais leve, ou seja, consegue poupar um valor maior.

 

Como começar?

 

O quanto de dinheiro que é preciso juntar para a aposentadoria está 100% ligado a quanto você quer ter de renda no futuro. Por isso, antes de qualquer coisa, Gianordoli recomenda estabelecer um objetivo - quanto deseja ganhar lá na frente - para, a partir daí, dar início ao planejamento.

 

Quanto juntar por mês?

 

Os especialistas ressaltam que o plano de investimento e as decisões são muito pessoais, pois cada pessoa tem um perfil diferente, com maior ou menor sensibilidade aos riscos. Ainda assim, o planejador financeiro orienta que, a partir do primeiro salário, o ideal é poupar, no mínimo, 10% da receita.

 

A sócia-fundadora da Alocc, por sua vez, destaca que cada pessoa deve avaliar quais são os gastos para viver e comparar com a receita para ver a capacidade de poupar. Mas, caso caiba dentro do orçamento, ela recomenda reservar 20% ou 30% da renda para a aposentadoria.

 

Sigrid explica ainda que, se a pessoa começar a poupar R$ 1 mil por mês (o equivalente a R$ 12 mil por ano) a partir de 20 anos de idade, quando ela chegar aos 65 terá um patrimônio de R$ 1,5 milhão. Agora, se o investidor deixar para começar a juntar R$ 1 mil por mês aos 30 anos, o valor do patrimônio já cai para R$ 900 mil aos 65, simulações essas considerando um ganho real de 4% ao ano. Nesse caso, como a inflação atual está em 12,13% nos últimos 12 meses, seria necessário investimentos com taxas nominais na ordem de 16% ao ano, o que seria recomendável buscar a renda variável, com maior possibilidade de ganho, porém com risco maior.

 

Onde investir para a aposentadoria?

 

Na visão de Gianordoli, para o jovem que está começando a vida financeira agora e ainda não tem tanto conhecimento sobre finanças, o ideal é optar por uma previdência privada, uma vez que ele terá um investidor profissional para fazer a gestão dos recursos.

 

Além de ter um especialista para gerir o patrimônio, o planejador financeiro destaca que a previdência privada também é positiva porque tem o fator tributário. “No fundo de investimento, por exemplo, tem o come-cotas, enquanto que em um CDB ou em um título público, existe o prazo de vencimento. A previdência, por outro lado, não tem esse limite: o imposto só é cobrado lá na frente, quando a pessoa faz o resgate do dinheiro”.

 

Existem, atualmente, dois regimes de tributação nos planos de previdência: progressiva e regressiva. Cada uma delas indica como será cobrado o Imposto de Renda (IR) na hora do resgate.

 

No primeiro modelo, o resgate do dinheiro sofre incidência de uma alíquota de 15% na fonte e, o restante, na declaração anual do IR. Veja, abaixo, como funciona a tributação progressiva:

 

Tabela progressiva

Base de cálculo                                   Alíquota (%)

Até 22.847,76 -                                     0%

De 22.847,77 até 33.919,80                 7,5%

De 33.919,81 até 45.012,60                 15%

De 45.012,61 até 55.976,16                  22,5%

Acima de 55.979,16                               27,5%

 

No regime regressivo, por sua vez, a alíquota começa em 35% (valor máximo) e vai regredindo até chegar ao mínimo, de 10%. O objetivo, neste caso, é estimular os investimentos no longo prazo, uma vez que a alíquota diminui com o passar dos anos. Confira abaixo:

 

Tabela regressiva

Base do cáclulo                                     Alíquota (%)

Até 2 anos                                             35%

2 a 4 anos                                              30%

4 a 6 anos                                              25%

6 a 8 anos                                              20%

8 a 10 anos                                            15%

Acima de 10 anos                                   10%

Fonte: Receita Federal

 

No que diz respeito à previdência complementar há, ainda, dois planos que são mais conhecidos entre os investidores: Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL).

 

No PGBL, a pessoa é tributada em cima do montante total resgatado. Além disso, este plano é dedutível na base de cálculo do Imposto de Renda e permite reduzir até 12% dos rendimentos tributáveis na base do IR. Vale ressaltar que, para escolher esta opção, o investidor deve fazer a declaração anual completa.

 

No VGBL, a incidência do imposto é sobre o ganho de capital, ou seja, os rendimentos, diferentemente do PGBL, que recai sobre todo o patrimônio. De acordo com Gianordoli, para o jovem que está entrando no mercado agora, o VGBL é mais indicado. Apesar disso, ele ressalta que “o ideal é pensar nas duas opções: a partir do momento em que a pessoa paga imposto e faz a declaração completa, passa a ser interessante ter os dois planos”. 

 

Antes de entrar em um plano de previdência, no entanto, Gianordoli diz que é importante saber quais são os custos envolvidos, pois tem entidades que cobram várias taxas e, outras, nem tanto. Confira quais são:

 

Taxa de administração: segundo o planejador financeiro, ela deve ser proporcional ao trabalho do gestor. “Para fundos conservadores, a taxa faz muita diferença. Mas, se é uma previdência mais agressiva, a administração passa a ser menos importante, pois a gestão do profissional vai fazer muito mais diferença e, por isso, o melhor seria cobrar mais caro”.

 

Taxa de entrada: esta funciona como uma espécie de “pedágio” para entrar na previdência, mas nem todas as instituições aplicam. “A pessoa investe R$ 100 e a corretora cobra uma taxa de entrada de 5%, ou seja, a pessoa vai ter, no total, R$ 95”.

 

Taxa de saída: neste caso, Gianordoli ressalta que a maioria dos bancos e corretoras ou não cobra, ou zera a taxa depois de um período. Ela funciona como a taxa de entrada, mas só é cobrada no final.

 

O planejador reforça ainda que é importante fugir das últimas duas taxas: a de entrada e a de saída. Por isso, o ideal é buscar por instituições de previdência complementar que não cobrem as mesmas.

 

Apesar de os investidores recorrerem à previdência privada para garantir uma aposentadoria tranquila, Sigrid destaca que há outros meios para planejar a renda que receberá no futuro. “É possível investir em fundos ‘normais’ do mercado, com a vantagem de ter uma gama de produtos maior e mais eficiente do que os de previdência”. Ela afirma ainda que a pessoa pode perder o benefício do imposto ao longo do tempo, como os planos PGBL e VGBL oferecem, mas ganham na competência.

 

Mas, para quem optar pelos fundos de investimento tradicionais, a sócia-fundadora recomenda, em primeiro lugar, criar um colchão de liquidez - a famosa reserva de emergência. “A pessoa deve começar a investir pela renda fixa. Depois que o colchão estiver mais robusto, já dá para pegar o dinheiro excedente e diversificar entre as categorias voláteis de multimercado e ações. E, para a reserva de emergência, eu recomendo um colchão largo, que cubra 3 anos de custo de vida”.

 

Gianordoli reforça que qualquer investimento pode ser usado para a aposentadoria. Para as opções de fundos, ele orienta observar o histórico de rendimento do produto. “Como esse fundo se comportou nos últimos 24, 36 meses? O retorno nesses períodos não é garantia de que vai dar certo lá na frente, mas é possível avaliar qual é o comportamento do gestor”.

 

A escolha dos investimentos que vão compor a carteira, assim como o percentual destinado a cada um, é uma decisão pessoal de cada um. Nessas horas, a pessoa deve levar em conta o padrão de vida, o perfil de investidor e o nível de exposição ao risco. Mesmo assim, de maneira geral, e pensando em um investidor com perfil moderado, Gianordoli sugere a seguinte composição: 50% em ativos conservadores, 10% em ativos ligados à inflação (IPCA), 25% em fundos multimercado, 10% em investimento internacional e 5% em renda variável (Brasil).

 

Agora, para a pessoa com perfil agressivo e com maior apetite para correr riscos, o planejador propõe diminuir o investimento em renda fixa e realocar em outras categorias: 20% no CDI, 15% na inflação, 35% em fundos multimercado, 20% em ativo internacional e 10% em renda variável (Brasil).

 

E o INSS, hein?

 

Segundo Gianordoli, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mecanismo do governo responsável pelo pagamento da aposentadoria e outros benefícios aos trabalhadores brasileiros, é muito mais do que uma aposentadoria pensada no investimento financeiro. "O INSS funciona como uma espécie de seguro", destaca o planejador.

 

Para ele, é importante que os jovens contribuam para o INSS para ter algum recurso lá na frente, principalmente pela questão do auxílio-doença. "Imagina que você é um profissional autônomo e acabou de completar a independência total financeira com uma renda de R$ 3 mil por mês. Se você sofrer um acidente, o seu fluxo financeiro acaba no instante em que para de trabalhar. Mas, com o INSS, você terá o mínimo para se sustentar neste período mais difícil".

 

Sigrid comenta que é importante garantir os benefícios do INSS, mas que as pessoas não devem depender só dessa contribuição. "O teto do INSS, hoje, é algo em torno de R$ 6 mil por mês. Então, dá para desfrutar da velhice com esse valor? Quais são os custos do padrão de vida que você leva? É sempre válido ter o INSS, mas não abrir mão da sua própria previdência".

 

 

 

 

Fonte: Valor Investe

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